Falando um pouco sobre o estupro da garota por
trinta e três homens, se não me engano, algo repugnante e inconcebível....
Melhor dizendo... lamentável!!!
Tal acontecimento me remeteu a um passado longínquo onde não só os homens são cruéis, como as mulheres também. A violência do estupro é algo muito mais presente e intrínseco do que podemos imaginar. Não aconteceu apenas em séculos passados como tem sido ventilado na mídia ou em revistas feministas, mas sim há milhares de anos, mas precisamente 3.000 anos, quando as grandes civilizações estruturam seu pensamento sobre as mulheres pautando nelas, um ideal de total desfavorecimento e submissão. Essa mentalidade esquadrinhada naquele tempo, perdurou por muitos anos e chegou a nossa atualidade. Hoje, procuramos culpar alguém por tamanho descaso e desmerecimento as mulheres, e sempre nos deparamos com o pensamento tacanho e preconceituoso de outrora, e, nos pegamos ainda, repetindo os mesmos feitos....somos responsáveis pelo pensamento que se formou por décadas sobre as mulheres? sim! Todos somos, mulheres e homens.
É inegável que a cultura que comungamos dos
nossos ancestrais, e quando falo de ancestrais, entendam os gregos, nos tornou
responsáveis pela narrativa acerca das mulheres, quer sejam mulheres como as de
Atenas (cidade), quer seja uma Helena de Tróia. A história fizeram das primeiras
um exemplo e da segunda deplorável.
A trajetória da narrativa do estupro reacendeu,
nos últimos dias, a velha discussão ou melhor, polêmica, a cerca da conduta da
mulher. Sempre estigmatizada, a mulher, quando estuprada é inquirida sobre o
que a levou a tal ato, como se tal violência pudesse ser justificada ou
permitida.
O ocorrido com a garota(estupro coletivo) me
fez lembrar de uma história grega sobre a banalização da condição da mulher.
Foram eles, os gregos, que nos trouxeram seus ensinamentos, somos herdeiros do
seu legado, porém, eles não são totalmente culpados pelos erros relatados. O
maior legado que o homem grego deixou para o mundo ocidental, foi a mitologia(narrativa
sobre a origem dos deuses, das coisas e do mundo). Através dela a cultura ia
sendo propagando de geração em geração, em forma de canto pelos Aedos, e aqui
estamos, segundo o pensamento deles.
No bojo do legado mitológico, existe uma narrativa muito intrigante que nos reporta ao ocorrido com a garota aqui em questão, o mito de Medusa.
Antes de ter sua aparência horrível e de petrificar a todos que a olhava. Medusa era um das mulheres mais bela de Atenas(cidade), desejada pelos homens e invejada pelas mulheres. Medusa era sacerdotisa da Deusa Atena, que para tal precisava ser virgem, pura, devotada e serva, e assim ela viveu com muita satisfação. Mas, o olhar cobiçoso do homem, em especial o do poderoso e másculo deus Poseidon, não pôde evitar, aquilo que Freud classifica como, o principio de prazer, e usando de violência estuprou Medusa dentro do templo da deusa Atena (local onde ela achava que estava protegida), profanando não só o tempo da deidade, como o corpo da bela donzela, que também não deixa de ser seu templo. O principio de prazer nada mais é que, o desejo de gratificação imediata, segundo o psicanalista acima. Desejo esse, que Poseidon não titubeou em realizar.
Devastada e sem saber o que fazer, pois segundo as leis gregas, a mulher que não era mais virgem não poderia ser desposada, nem tão pouco ser uma sacerdotisa. Medusa então, viu seu mundo ruir. O estupro dentro do seu santuário, foi tomado como uma ofensa por Atena(deusa) que furiosa, não pelo ato violento de Poseidon, mas por onde o fato ocorreu, resolveu condenar sua sacerdotisa. Aos seus olhos, a culpa da profanação local foi de Medusa que com sua sensualidade peculiar, despertou a cobiça em tal deus, levando-o a consumar o ato em seu solo sagrado. Para Atena, Medusa provocou Poseidon, imbuída de seus atributos e que a mesma deveria ter resistido até a morte para preservar sua virgindade.
Diante disso, julgou o fato: o agressor isentando e eximindo
de qualquer responsabilidade no ocorrido, recaindo a culpa para Medusa, por não
ter lutado o suficiente para se manter pura e por ter desrespeitado sua abadia.
Mais uma vez a história nos leva a identificar
a mulher como objeto de pertença do homem e não como uma pessoa
independente, com personalidade e vida própria.
Medusa, vítima dos poderosos...é agora culpada!
Apesar de reconhecer que o estupro é algo condenável,
Atena não hesitou em condenar Medusa, imputou a ela a responsabilidade total do
ato. Em seguida, transformo-a em uma górgona (cadáveres humanos), rachou toda
sua pela que antes era macia, viçosa, bem tratada e no local dos seus cabelos
colocou serpentes...e não parou por aí....todos que a olhavam, eram
petrificados. Relegada a pior das criaturas, Medusa foi confinada ao isolamento
em uma ilha longínqua, uma vez que não podia mais viver em sociedade.
Em síntese: A beleza e a condição em ser mulher de Medusa, foram indícios suficientes para a autorização do estupro por parte do ser divino. A sentença imposta a sacerdotisa foi a mas cruel, ela é "extirpada da relação humana, como um mal que precisa ser eliminado, assim como deve ser destruído tudo que fisicamente representa sua feminilidade e sexualidade". (Amanda Beatriz , em Blogueiras Negras)
Em síntese: A beleza e a condição em ser mulher de Medusa, foram indícios suficientes para a autorização do estupro por parte do ser divino. A sentença imposta a sacerdotisa foi a mas cruel, ela é "extirpada da relação humana, como um mal que precisa ser eliminado, assim como deve ser destruído tudo que fisicamente representa sua feminilidade e sexualidade". (Amanda Beatriz , em Blogueiras Negras)
E este foi seu grande e lamentável erro...ser
bela, sensual e mulher, a imponência da deusa da Sabedoria se desdobra ainda
mais quando ela ajuda Perseu a exterminar a górgona. E quando o guerreiro a degola,
a cabeça de medusa vira amuleto no peito de Atena, demonstrando as demais
mulheres o que pode lhe acontecer se incorrer na mesma falta que sua serva.
O panorama histórico descrito aqui não mudou
muito nos dias de hoje...o poder condenador da mulher que julga o estupro ainda
está imbuído do argumento da deusa...os discursos são os de sempre...com que
roupa ela estava, se troca de homem a cada semana, com quem convive...como se a
condição moral também fosse um fator autorizador da violência. A forma
condenatória das mulheres, às vezes são mais cruéis do que o pensamento
engessado de alguns homens, por conta disso sempre somos levadas a pensar que o
homem é mais preconceituoso ao falar do sexo oposto.
Qual o antídoto para
todo esse mal que se arrasta pelo tempo? Sinceramente? Não tenho uma resposta
pronta para esta pergunta. Posso arriscar esboçar um pensamento pessoal que
talvez ajude na composição de algo que no futuro, mereça uma pequena consideração.
Como filosofa sempre vou acreditar que o
conhecimento é o caminho que desbravará horizontes...o conhecimento
contextualizado lhe permite comparar o antes e o depois e te leva a sintetizar
os pros e os contras de cada evento vivenciado. Como dizia o grande filosofo
alemão Hegel, uma teste (afirmação geral do ser) mais uma antítese (negação da
tese), te leva a uma síntese (negação da negação) aprimorada...ou seja, uma
reformulação...então, conhecer o seu passado, sua história e refletir a cerca
dos fatos, que diga-se de passagem não muda muito com o passar do tempo, te
abrem possibilidades e te permitem formular melhor seus pensamentos, sem que com
isso ele se aprisione e fique parado em algum lugar do passado. Pensar a
cultura do estupro como algo a ser reformulado em nossas mentes, e em nossa
educação de uma forma geral, creio eu, que seja o maior passo a ser dado em
direção ao novo pensar da humanidade acerca do todo. O preconceito e o
julgamento apressado das coisas, recaem numa sentença injusta e mal sucedida, e
a depender dela, um fato negativo marque de vez a nossa narrativa e com isso,
talvez, vivamos para reparar nosso feitos, a fim de recontar uma nova história,
que poderá ser boa ou ruim dependendo de como nosso pensamento seja
reformulado.
Solares