A capacidade de amar intensamente é privilégio de poucos! Solares

"Eu tenho a alegria de dizer, nessa vida eu levo prejuízo o tempo todo, mas eu me alegro em cada prejuízo que levo, porque cada vez que eu consigo amar sem interesses, cada vez que eu posso me doar para alguém é o meu coração que ganha em qualidade e humanidade!"
Pe. Fábio de Melo

quarta-feira, outubro 26, 2011

A Deusa vencida... Carta aos meus alunos


No inicio deste ano eu relatei aqui, em meu BLOG, a minha alegria em retornar a lecionar Filosofia, embora já tivesse resolvido não mais fazê-lo.

Desde que me formei em Filosofia, tive bem definido em minha mente que faria dela algo prazeroso, estimulante e diferente. Coisas que normalmente não são atribuídos a tal disciplina. Desejei muito mudar a utopia da educação que aí foi postula, onde uma avaliação padrão restrita e fechada define o potencial de um aluno. Tentei envolvê-los com a disciplina e propus fazê-los mergulhar no universo dos por quês e buscar encontrar-se na aventura do conhecer, alguns conseguiram alcançar tal proposta, mas a maioria não. Preferiram continuar na inércia promovida por uma MATRIX.

Por que MATRIX? Porque MATRIX é o mundo do senso comum, da irrealidade, ou seja, é o mundo em que vivemos. Um  mundo simulado pela aparência do que deveríamos ser e não do que somos verdadeiramente.Somos controlados e levados a fazer as  mesmas coisas sempre do mesmo jeito e nos acostumamos a elas, e romper com esses padrões convencionais requer força de vontade.  Sei o quanto é difícil romper com o senso comum, mas também ninguém nos prometeu que seria fácil.

O que vi durante esses 08 (oito) meses de retorno a sala de aula? Que não adianta o quanto eu sonhe, que não adiante o quanto eu desejo, que não adianta o quanto eu queira... Se o alunado não quiser tudo isso, então tudo permanece como sempre foi. Sei que não foi de um todo ruim, porque mentes foram alcançadas, pessoas quiseram ser modificados, melhor, estimulados e hoje não querem mais nada que não seja aquilo que projetaram para si... Para essas mentes brilhantes... Muito obrigada! Vocês tornaram esses meses significativos, embora me sinta derrotada. Vocês me fizeram lembrar o meu Mestre, amigo e inesquecível professor, Jaime (falecido): Ele me disse que não importa o quão cansada eu me sinta, o quão exaustivo e frustrante pareçam as coisas a minha volta, eu jamais desista de quem realmente eu sou e do que quero faz, porque embora muitos não queiram se apenas um eu consegui atingir, então esse um terá valido a pena... E eu sou filósofa de alma e coração, foi assim que Jaime me ensinou a ser e quero continuar sendo porque é isso que me faz feliz, apesar de eu só ter entendido isso no final do curso na faculdade. Meu professor Jaime idealizou a filosofia para mim, ele quis por mim, ele desejou por mim e no seu leito de morte o seu pedido “de que eu nunca desistisse da filosofia” me fez querer o seu sonho... Que acabou por se tornar um presente para mim, digo o melhor de todos os presentes depois do da minha existência. A sua partida não foi em vão, uma pessoa foi alcançada... Eu... E tenho certeza que valeu a pena para ele (Jaime). Posso não ser exatamente como ele projetou, pois isso é impossível as pessoas são o que são, mas cada vez que adentro a uma sala de aula, parte do que sou se mistura a parte do que ele foi, e da união do EU (Solares) e do TU (Jaime) nasce uma terceira pessoa, o NÓS, convidado a nascer sempre naquele ambiente educacional, onde experiências serão compartilhadas.

Mas agora, por hora, eu me sinto assim como nas palavras proferidas acima pelo meu professor... Frustrada... A frustração talvez traduza melhor o que sinto hoje, foi como nadar, nadar e morrer na praia. O desinteresse, a mesmice e o descaso de alguns alunos em detrimento ao conhecimento é tão grande que me fizeram repensar com relação à educação que aí está: Será que é a educação que é utópica ou sou eu que sou? Evidenciei que estou sozinha nesta luta, tentei fazer com que vocês, meus alunos comprassem essa briga junto comigo, para quem sabe um dia... Um dia mudássemos a educação que resolveram nos dar. Mas ao mesmo tempo em que me sinto frustrada, me sinto também aliviada, pois tenho consciência que fiz tudo que pude e talvez o que não pude para que essa geração, para qual hoje leciono, vislumbrasse a realidade. Mas, sair da MATRIX ainda  requer ousadia, requer conhecimento, melhor, requer sabedoria. Sair da MATRIX é o maior de todos os desafios que vocês terão que enfrentar. É uma escolha sem volta, uma vez escolhido o saber conquistado, você nunca mais deixará se aprisionar. A escolha... Sempre ela é quem determina as nossas ações, e esta eu não posso fazer por vocês, apesar de ter insistido comigo que poderia.  Neste momentto a Deusa saiu vencida, o senso comum prevaleceu!  Eu decidi que vou respeitar a escolha de vocês, e só me resta desejá-los boa sorte nas adversidades da vida.

Quanto a mim só posso dizer que perdi a batalha, mas jamais a guerra, talvez eu esteja no lugar errado, na hora errada... Talvez não sejam vocês os necessitados da minha retórica... Dos meus banquetes filosóficos... Foi difícil reconhecer a derrota, mas reconheço ainda, que ela é resultado da minha prepotência em querer tudo para vocês, em pensar por vocês sem ao menos ter me preocupado com o que de fato queriam, pensei estar proporcionando-lhes o bem, mas que bem? O bem é um ponto de vista de quem o vê. Então, visto por esse ângulo, ambos estamos com a verdade.

O reconhecimento da minha derrota não implica em um total fracasso, mais que isso, reconhecer a derrota equivale dizer que houve glória no fracasso. Parece contraditório isso não? Mas acabei de ler o livro de PE. Fábio que parece ter sido escrito para mim e lá tem um capítulo que fala sobre “o reconhecimento da perda”. É nele que me inspiro para falar sobre esse momento meu. “Não saber perder é uma forma de perder sempre”. Diz PE. Fábio.

E foi aí, no momento em que me enxerguei nas palavras do sábio Padre, que refiz meu pensamento: Fui derrotada, mas existe glória no meu fracasso!


Quem diria que um dia eu fosse pensar assim, mas para perceber glória no fracasso, primeiro eu tenho que declarar ter perdido, e foi isso que fiz, declarei publicamente a nudez do meu Rei! Que por muito tempo imaginei-o vestido.  O pódio é da educação do senso comum, e o meu banquete filosófico se arrastou para chegar à linha de chegada, em último lugar. É hora de organizar o luto! Em meio às palavras sensatas de Padre Fábio de Melo em seu livro “Tempo de Esperas”, reconheço a gloria de ter fracassado no que diz respeito ao meu alunado, desnudada, agora busco apreender com os meus erros e conquistar um novo pódio, desta vez, demorando mais meu olhar naquele que de fato importa e encontrar na inutilidade das coisas a sua verdadeira utilidade, isso é ser sábio!

Quero agradecer àqueles que tornaram meu fracasso glorioso, aos que se aventuraram comigo nos por quês do banquete filosófico, que sonharam em dar a disciplina de filosofia o seu status merecido, e que acima de tudo apreenderam a amá-la da forma que eu a amo, meu muito obrigado! Não citarei nomes, pois temo em ser injusta  e esquecer de alguém, mas tenho que reconhecer o empenho e a amizade de três alunos que foram fatalmente atingidas pelo meu amor a filosofia e que estiveram o tempo todo me apoiando quando me declarei derrotada. Meu muito obrigado  Maíra, Rafaela e Rodrigo, futuros filósofos e amigos! Valeu

“Estou aproveitando a nudez do meu ser para dar a ele o abrigo de que ele realmente necessita.” (Parafraseando com PE. Fábio)
                                            
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