A capacidade de amar intensamente é privilégio de poucos! Solares

"Eu tenho a alegria de dizer, nessa vida eu levo prejuízo o tempo todo, mas eu me alegro em cada prejuízo que levo, porque cada vez que eu consigo amar sem interesses, cada vez que eu posso me doar para alguém é o meu coração que ganha em qualidade e humanidade!"
Pe. Fábio de Melo

quinta-feira, agosto 25, 2016

A cultura do estupro através do mito de Medusa

Falando um pouco sobre o estupro da garota por trinta e três homens, se não me engano, algo repugnante e inconcebível.... Melhor dizendo... lamentável!!!

Tal acontecimento me remeteu a um passado longínquo onde não só os homens são cruéis, como as mulheres também. A violência do estupro é algo muito mais presente e intrínseco do que podemos imaginar. Não aconteceu apenas em séculos passados como tem sido ventilado na mídia ou em revistas feministas, mas sim há milhares de anos, mas precisamente 3.000 anos, quando as grandes civilizações estruturam seu pensamento sobre as mulheres pautando nelas, um ideal de total desfavorecimento e submissão. Essa mentalidade esquadrinhada naquele tempo, perdurou por muitos anos e chegou a nossa atualidade. Hoje, procuramos culpar alguém por tamanho descaso e desmerecimento as mulheres, e sempre nos deparamos com o pensamento tacanho e preconceituoso de outrora, e, nos pegamos ainda, repetindo os mesmos feitos....somos responsáveis pelo pensamento que se formou por décadas sobre as mulheres? sim! Todos somos, mulheres e homens.
É inegável que a cultura que comungamos dos nossos ancestrais, e quando falo de ancestrais, entendam os gregos, nos tornou responsáveis pela narrativa acerca das mulheres, quer sejam mulheres como as de Atenas (cidade), quer seja uma Helena de Tróia. A história fizeram das primeiras um exemplo e da segunda deplorável.

A trajetória da narrativa do estupro reacendeu, nos últimos dias, a velha discussão ou melhor, polêmica, a cerca da conduta da mulher. Sempre estigmatizada, a mulher, quando estuprada é inquirida sobre o que a levou a tal ato, como se tal violência pudesse ser justificada ou permitida.
O ocorrido com a garota(estupro coletivo) me fez lembrar de uma história grega sobre a banalização da condição da mulher. Foram eles, os gregos, que nos trouxeram seus ensinamentos, somos herdeiros do seu legado, porém, eles não são totalmente culpados pelos erros relatados. O maior legado que o homem grego deixou para o mundo ocidental, foi a mitologia(narrativa sobre a origem dos deuses, das coisas e do mundo). Através dela a cultura ia sendo propagando de geração em geração, em forma de canto pelos Aedos, e aqui estamos, segundo o pensamento deles.

No bojo do legado mitológico, existe uma narrativa muito intrigante que nos reporta ao ocorrido com a garota aqui em questão, o mito de Medusa.
Antes de ter sua aparência horrível e de petrificar a todos que a olhava. Medusa era um das mulheres mais bela de Atenas(cidade), desejada pelos homens e invejada pelas mulheres. Medusa era sacerdotisa da Deusa Atena, que para tal precisava ser virgem, pura, devotada e serva, e assim ela viveu com muita satisfação. Mas, o olhar cobiçoso do homem, em especial o do poderoso e másculo deus Poseidon, não pôde evitar, aquilo que Freud classifica como, o principio de prazer, e usando de violência estuprou Medusa dentro do templo da deusa Atena (local onde ela achava que estava protegida), profanando não só o tempo da deidade, como o corpo da bela donzela, que também não deixa de ser seu templo. O principio de prazer nada mais é que,
o desejo de gratificação imediata, segundo o psicanalista acima. Desejo esse, que Poseidon não titubeou em realizar.

Devastada e sem saber o que fazer, pois segundo as leis gregas, a mulher que não era mais virgem não poderia ser desposada, nem tão pouco ser uma sacerdotisa. Medusa então, viu seu mundo ruir. O estupro dentro do seu santuário, foi tomado como uma ofensa por Atena(deusa) que
furiosa, não pelo ato violento de Poseidon, mas por onde o fato ocorreu, resolveu condenar sua sacerdotisa. Aos seus olhos, a culpa da profanação local foi de Medusa que com sua sensualidade peculiar, despertou a cobiça em tal deus, levando-o a consumar o ato em seu solo sagrado. Para Atena, Medusa provocou Poseidon, imbuída de seus atributos e que a mesma deveria ter resistido até a morte para preservar sua virgindade.


Diante disso,  julgou o fato: o agressor isentando e eximindo de qualquer responsabilidade no ocorrido, recaindo a culpa para Medusa, por não ter lutado o suficiente para se manter pura e por ter desrespeitado sua abadia. Mais uma vez a história nos leva a  identificar  a mulher como objeto de pertença do homem e não como uma pessoa independente, com personalidade e vida própria.

Medusa, vítima dos poderosos...é agora culpada!

Apesar de reconhecer que o estupro é algo condenável, Atena não hesitou em condenar Medusa, imputou a ela a responsabilidade total do ato. Em seguida, transformo-a em uma górgona (cadáveres humanos), rachou toda sua pela que antes era macia, viçosa, bem tratada e no local dos seus cabelos colocou serpentes...e não parou por aí....todos que a olhavam, eram petrificados. Relegada a pior das criaturas, Medusa foi confinada ao isolamento em uma ilha longínqua, uma vez que não podia mais viver em sociedade.

Em síntese: A beleza e a condição em ser mulher de Medusa, foram indícios suficientes para a autorização do estupro por parte do ser divino. A sentença imposta a sacerdotisa foi a mas cruel
, ela é "extirpada da relação humana, como um mal que precisa ser eliminado, assim como deve ser destruído tudo que fisicamente representa sua feminilidade e sexualidade". (Amanda Beatriz , em Blogueiras Negras)

E este foi seu grande e lamentável erro...ser bela, sensual e mulher, a imponência da deusa da Sabedoria se desdobra ainda mais quando ela ajuda Perseu a exterminar a górgona. E quando o guerreiro a degola, a cabeça de medusa vira amuleto no peito de Atena, demonstrando as demais mulheres o que pode lhe acontecer se incorrer na mesma falta que sua serva.

O panorama histórico descrito aqui não mudou muito nos dias de hoje...o poder condenador da mulher que julga o estupro ainda está imbuído do argumento da deusa...os discursos são os de sempre...com que roupa ela estava, se troca de homem a cada semana, com quem convive...como se a condição moral também fosse um fator autorizador da violência. A forma condenatória das mulheres, às vezes são mais cruéis do que o pensamento engessado de alguns homens, por conta disso sempre somos levadas a pensar que o homem é mais preconceituoso ao falar do sexo oposto.

Qual o antídoto para todo esse mal que se arrasta pelo tempo? Sinceramente? Não tenho uma resposta pronta para esta pergunta. Posso arriscar esboçar um pensamento pessoal que talvez ajude na composição de algo que no futuro, mereça uma pequena consideração.

Como filosofa sempre vou acreditar que o conhecimento é o caminho que desbravará horizontes...o conhecimento contextualizado lhe permite comparar o antes e o depois e te leva a sintetizar os pros e os contras de cada evento vivenciado. Como dizia o grande filosofo alemão Hegel, uma teste (afirmação geral do ser) mais uma antítese (negação da tese), te leva a uma síntese (negação da negação) aprimorada...ou seja, uma reformulação...então, conhecer o seu passado, sua história e refletir a cerca dos fatos, que diga-se de passagem não muda muito com o passar do tempo, te abrem possibilidades e te permitem formular melhor seus pensamentos, sem que com isso ele se aprisione e fique parado em algum lugar do passado. Pensar a cultura do estupro como algo a ser reformulado em nossas mentes, e em nossa educação de uma forma geral, creio eu, que seja o maior passo a ser dado em direção ao novo pensar da humanidade acerca do todo. O preconceito e o julgamento apressado das coisas, recaem numa sentença injusta e mal sucedida, e a depender dela, um fato negativo marque de vez a nossa narrativa e com isso, talvez, vivamos para reparar nosso feitos, a fim de recontar uma nova história, que poderá ser boa ou ruim dependendo de como nosso pensamento seja reformulado.

Solares

4 comentários:

Marcos Arraes disse...

Interessante é pensar que mesmo depois de 3.000 anos ainda continuamos reproduzindo os mesmos pensamentos. Parabéns pela relação do cotidiano com a mitologia. Sensacional

Unknown disse...

Concordo a sua comparação achei perfeita 3000 já se passaram e nada muda todos os dias somos estrupadas diante da sociedade e ninguém faz nada pra mudar há várias formas de estupro...parabéns pela matéria!!

Unknown disse...

Concordo a sua comparação achei perfeita 3000 já se passaram e nada muda todos os dias somos estrupadas diante da sociedade e ninguém faz nada pra mudar há várias formas de estupro...parabéns pela matéria!!

Simone Favaretto disse...

Seu texto me ajudou a pensar o lugar do prazer e do poder, nas relações sociais e entre pares. Que ninguém é só bonzinho ou seu oposto e que há sempre um jogo, algumas vezes com consciência, mas nem sempre tão elaborado. Gosto de pensar e estimular reflexões a partir de mais de uma perspectiva. Te agradeço .